O homem há 21 anos no corredor da morte que está prestes a ser executado por 'crime que não aconteceu'
Robert Roberson receberá uma injeção letal se seus advogados não conseguirem provar que ele merece clemência.
Roberson foi condenado à morte pela morte de sua filha Nikki, uma menina de 2 anos que faleceu em 31 de janeiro de 2002 após chegar ao hospital em coma, desmaiada nos braços do pai e com o rosto azulado por asfixia.
Os médicos atribuíram os sintomas de Nikki à síndrome do bebê sacudido, uma lesão cerebral grave causada por sacudidas violentas no corpo de uma criança menor de 2 anos com tanta força que o fornecimento de oxigênio ao cérebro fica comprometido.
Esse diagnóstico se tornou a prova que confirmou a pior suspeita dos jurados: Nikki havia sido vítima de abuso infantil.
O júri foi finalmente convencido de que Roberson era culpado quando Brian Wharton, o principal responsável pela investigação, garantiu no julgamento que o réu havia reagido com frieza e distanciamento à agonia de sua filha.
Quando Nikki faleceu, Roberson tinha 35 anos. Ele era pai solteiro e havia conseguido a custódia da filha dois meses antes de levá-la inconsciente ao hospital na Palestine, cidade onde moravam no leste do Texas.
Um ano após a morte de Nikki, em 21 de fevereiro de 2003, Roberson foi condenado à morte e se tornou o prisioneiro número 999.442 no corredor da morte no Texas, o estado com o maior registro de execuções nos EUA.
Em 2018, quando Roberson passou 15 anos na prisão, foi diagnosticado com autismo.
A decisão do governador
O prisioneiro tem hoje 57 anos e deverá ser executado na próxima quinta-feira, 17 de outubro.
No entanto, os advogados de Roberson entraram com um pedido de clemência ao Conselho de Perdão e Liberdade Condicional do Texas para recomendar que o governador do estado, Greg Abbot, concordasse em mudar a sentença de morte.
Embora o conselho formule a proposta, a decisão final está nas mãos de Abbot, que concedeu apenas um perdão a uma pessoa condenada à morte nos nove anos em que foi governador do Texas.
O objetivo dos advogados não é apenas impedir a execução de Roberson. Pedem também que seja convocada uma nova audiência, na qual possam refutar os erros processuais de 2002 e apresentar as provas que não foram avaliadas pelo júri.
“Robert Roberson é um homem inocente”, afirma a petição dos advogados. “Este não é um caso em que o estado pegou a pessoa errada. Em vez disso, um crime foi alegado, mas nenhum realmente ocorreu.”
O pedido é apoiado por 34 cientistas e médicos, um grupo bipartidário de 84 legisladores do Texas, 70 advogados especializados na defesa de pessoas injustamente acusadas de abuso infantil, bem como dezenas de organizações que defendem pacientes com autismo e pais ativistas dos direitos da criança, aponta o Innocence Project, uma organização que defende os direitos dos condenados injustamente nos Estados Unidos.
Entre os signatários está o romancista John Grisham, autor de obras de grande sucesso de Hollywood, como os filmes The Firm (estrelado por Tom Cruise e Jeanne Tripplehorn) e O dossiê pelicano (com Julia Roberts e Denzel Washington).
“Este não é um caso em que o sistema pegou a pessoa errada, mas sim um caso em que nenhum crime foi cometido”, escreveu Grisham. “Algo deve ser feito para impedir a execução de Robert. O governador Abbott e o Conselho de Perdões e Liberdade Condicional podem evitar uma injustiça irreparável concedendo-lhe clemência.”
Se o pedido for negado e a sentença executada, Robert Roberson se tornará o primeiro prisioneiro executado por um caso de síndrome do bebê sacudido nos Estados Unidos.
O escritor John Grisham é uma das figuras públicas que apoia o pedido de clemência de Robert Roberson
Três erros no caso
O pedido de clemência inclui os três erros que, segundo a defesa, comprovariam a inocência de Roberson.
O primeiro erro é que os médicos concluíram que Nikki sofria da síndrome do bebê sacudido, sem considerar sintomas típicos de uma “pneumonia dupla” que não foi diagnosticada, como a febre de 40 graus que ela apresentou pouco antes de ficar inconsciente.
“Quando Robert levou Nikki ao hospital, a equipe médica foi rápida em julgá-lo com base em suposições incorretas e no desconhecimento de sua real condição médica”, alerta o documento.
“Agora sabemos que os pulmões de Nikki estavam gravemente infectados e lutaram por oxigênio durante dias, ou mesmo semanas, antes de ela desmaiar”.
A coleta de tecido pulmonar em uma nova autópsia revelou que a menina sofria de dois tipos de pneumonia (viral intersticial e bacteriana aguda secundária), que rompeu seus pulmões, causou sepse e depois choque séptico.
Os médicos que trataram Nikki não consideraram que o historial médico da menina incluía “infecções crônicas que múltiplas estirpes de antibióticos não conseguiram resolver” e episódios de apneia respiratória, nos quais ela “inexplicavelmente parou de respirar, desmaiou e ficou azul devido à falta de oxigênio.
Foto de Robert Roberson quando era criança
A segunda falha alegada pela defesa é que as autoridades “aceitaram as suposições dos médicos de que a sua condição foi causada por abuso e não investigaram mais”.
Roberson foi proibido de visitar a menina enquanto ela estava morrendo no hospital, até que finalmente foi detido no que seus advogados definem como “uma cela suicida”, sem acesso à defesa legal desde o início do caso até que lhe fosse designado um advogado.
“Aquele advogado, sem ter feito nenhuma pesquisa, insistiu que o Estado estava certo: Robert deve ter abusado da filha e causado o estado dela, independentemente de sua insistência de que amava a criança e não teria feito nada para prejudicá-la”.
O documento cita evidências científicas que mostram que os sintomas de Nikki podem ser atribuídos a outras causas além de lesões abusivas, como pneumonia, que também pode bloquear a passagem de oxigênio para o cérebro e desencadear danos irreversíveis que levam à morte.
Durante os anos de prisão de Roberson, a síndrome do bebê sacudido perdeu credibilidade científica para ser considerada uma evidência sólida em casos criminais.
Robert Roberson fez carreira no Exército dos EUA por um tempo
O terceiro erro é que tanto a equipe médica quanto a polícia interpretaram mal a reação de Roberson ao que estava acontecendo. “Eles viam o seu comportamento não neurotípico, um sintoma do seu autismo, como um reflexo da falta de emoção face à situação da filha, o que está longe de ser verdade.”
“A morte de Nikki não foi um crime, a menos que seja um crime que um pai não consiga explicar problemas médicos complexos que mesmo profissionais médicos treinados não conseguiam entender na época”, afirma o pedido de clemência.
“A culpa é nossa”
Duas décadas depois de testemunhar contra Roberson no julgamento, o detetive Brian Wharton reconheceu que todo o processo era infundado.
“Não havia cena do crime ou evidências forenses. Foram apenas três palavras: síndrome do bebê sacudido. Sem elas, hoje seria um homem livre”, declarou no ano passado ao jornal britânico The Guardian.
Wharton, que abandonou a carreira policial e agora é reverendo numa igreja, não apenas assinou a petição de clemência de Roberson. Ele também o visitou na prisão para se desculpar por mandá-lo para a prisão.
Em documentário do jornal americano The New York Times, é possível ver o momento em que Wharton se senta em frente a Roberson, separados por um vidro e após 22 anos de prisão, e eles pegam os telefones de uma cabine da prisão para se comunicarem.
“Deixe-me dizer: sinto muito que você esteja aqui, que ainda esteja aqui”, diz Wharton a Roberson. “A culpa é nossa (...), estou convencido que cometemos um erro.”
Wharton afirma no vídeo que Roberson foi ao hospital porque Nikki caiu da cama enquanto dormia e não respondeu. “A filha dele estava morrendo e ele parecia não se importar”, ele se lembra de ter pensado isso quando teve contato com Roberson pela primeira vez.
Brian Wharton assinou a petição de clemência ao homem que mandou para a prisão durante a sua investigação policial
Anos depois, o advogado de Roberson bateu na porta de Wharton e revelou que o prisioneiro havia sido diagnosticado com autismo. “Isso explicava a reação monótona e sem emoção que ele teve no hospital”, diz Wharton.
“Esse caso tem sido um fardo para meu coração e meu espírito.”
O prisioneiro gaguejou ao falar com Wharton. “Eu faria qualquer coisa para trazê-la de volta”, disse a ele, olhando nos olhos de Wharton. Ele afirma que tinha muito para contar, mas quando estava na sua frente ficou sem palavras. “Se esse caso tivesse sido investigado adequadamente, eu não estaria aqui.”
Ao final da conversa, o ex-policial ousou perguntar a Roberson o que ele gostaria de dizer a ele e a todos os responsáveis por sua condenação.
“Gostaria de dizer que perdoo todos vocês”, respondeu Robert Roberson sem fazer gestos que revelem emoções. “Só espero e rezo para que juntos possamos fazer as coisas corretas.”
COMENTÁRIOS